Zélia Parreira
Zélia Parreira
A recente notícia sobre o cancelamento da oferta de jornais e revistas (e todo o tipo de documentos, na realidade) para consulta pública e gratuita na Biblioteca de Tomar constitui, em minha opinião, uma enorme luz vermelha num semáforo que teimava em permanecer num sério amarelo de aviso há muito tempo.

A Rede de Bibliotecas Públicas, tal como a conhecemos, é fruto de vários protocolos assinados entre a instituição que se assume como autoridade nacional para as bibliotecas públicas e as diversas autarquias interessadas em abrir e manter bibliotecas nos seus concelhos. Porém, o acordo suficientemente minucioso no que se refere aos critérios e padrões de funcionamento no momento da inauguração e nos primeiros anos de vida da biblioteca, passa a ser apenas um acordo de cavalheiros quando esse período se esgota.

Acontece que os cavalheiros não são todos iguais e o poder autárquico assenta precisamente na sua rotatividade, que aliás, já está estabelecida pela lei. O senhor que se segue ao autarca que pediu uma biblioteca nem sempre tem as mesmas intenções ou convicções e o resultado são situações de morte lenta e agonizante de bibliotecas que à partida, tinham tudo para dar certo.

No seu interior, bibliotecários mais ou menos qualificados lutam diariamente para dar provas da sua imensa criatividade e capacidade de inovação e inventar novas estratégias que lhes permitam ultrapassar quotidianamente as dificuldades ridículas e mesquinhas que os impedem de concretizar a sua nobre missão. Mentimos deliberadamente aos nossos utilizadores porque a ética profissional não nos permite desmascarar o profundo desinteresse e falta de fé dos executivos políticos na Biblioteca.

Em muitos casos, ex-líbris arquitectónicos ofuscam o enorme vazio de meios e fundos necessários ao bom funcionamento da biblioteca. Noutros casos, nem isso. O cenário e o dia-a-dia são deprimentes. A pouco e pouco, as bibliotecas públicas vão readquirindo o estado – e em breve o estatuto – de lugares sombrios cheios de livros velhos, que ninguém quer ler. Os meios tecnológicos com que nos tentámos adaptar à sociedade da informação tornam-se desactualizados a cada dia, mas a sua substituição é impensável.

O mundo lá fora, entretanto, continua o seu caminho imparável, cada vez mais rápido, cada vez mais dinâmico, cada vez mais distante.

25 anos de trabalho correm o risco de ficar perdidos na história do que poderíamos ter sido. Os Homens e as Mulheres que fizeram esta rede pensaram que o caminho era irreversível. Bem cedo percebemos que estavam enganados nesse ponto. Apenas nesse, porque tiveram razão em tudo o resto e trilharam o caminho que precisava de ser feito.

As bibliotecas públicas são a mais democrata e democrática das instituições. São o baluarte da liberdade de expressão e de pensamento, do acesso igual e solidário a todas as fontes de informação e conhecimento, são o único caminho que une diferenças em vez de as acentuar e dividir. As bibliotecas públicas são a nossa missão e é a nós que cabe a sua defesa.

Não podemos permitir que o acesso à informação e à cultura seja sistematicamente a primeira vítima das crises económicas. Temos o dever de garantir que a biblioteca continuará a exercer as suas funções de forma livre e isenta de pressões, porque é nestes momentos que os cidadãos mais precisam dos nossos serviços.

Não baixemos os braços. Temos uma história, um património, uma missão a defender. Somos bibliotecários, saberemos estar à altura do que isso significa.

Zélia Parreira 

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