perfil colorCláudia Sousa Pereira (*)

Os livros são objetos bonitos. E sim, também falo de livros em écrans, porque a beleza dos livros ultrapassa-lhes o aspeto físico. Se não pensamos assim foi porque não aprendemos nada, ou não quisemos aprender, com o pequeno príncipe de Saint-Exupéry.

Quando se abre um livro aprende-se sempre alguma coisa, até mesmo que não se gostou daquele texto ou daquele estilo, para não dizermos autor porque também eles podem mudar de livro para livro, e então aprendemos mais um pouco sobre os nossos próprios gostos.

Porque se aprende com os livros e, de uma forma geral com aquilo que lemos, descodificando uma mensagem independentemente, por vezes, da linguagem em que se expressa, importante é que lhe conheçamos o alfabeto e a gramática; porque se pode aprender com a leitura, é que ler dá também um pouco mais de trabalho do que respirar ou comer. Para nós, os que gostamos de ler para saber ou para nos sabermos, esse trabalho compensa. Chega mesmo a ser o desafio mais interessante quando encontramos um livro.

Esse trabalho é o de lhe ler nas entrelinhas, a “matéria negra” como lhe chamou Frias Martins numa obra de teorização notável com esse mesmo título. É o trabalho, mais ou menos fácil, dependendo do grau de intimidade e frequência com que lidamos com os livros.

O trabalho que está em encontrar nas evocações, nas conversas que tem com outros textos ou com a realidade, o que quer que esta seja na sua diversidade e circunstância, a matéria de que são feitos os sonhos e que é afinal a mesma de que nós somos feitos, como dizia Shakespeare na sua derradeira A Tempestade.

E vamos também conhecendo melhor o passado que nos trouxe ao hoje e o diferente com que ainda não nos cruzámos, quando lemos livros escritos em épocas mais distantes ou lugares mais longínquos, mesmo que sejam, como são os livros mais interessantes para mim, ficção, seja ela prosa ou poesia na mancha gráfica da página. É que, parodiando o Garrett, também se fala verdade a fingir, já que é difícil os livros inventarem o que não existe porque os livros são feitos de palavras e se o que não existe não tem nome, todas as palavras revelam o que existe.

Trabalhar com os livros é receber o trabalho de outros, autor, editor, mas sobretudo autor. E acrescentar-lhe o valor que é o do trabalho da leitura.

Os leitores são também operários do livro e ler é um ofício que alguns exercem para o resto da vida. Há até os sortudos, os professores de literatura, a quem pagam para isso mesmo e podem dedicar a sua vida laboral a ler livros e a ensinar a ler livros.

Profissionais a ensinar aprendizes, quem sabe futuros profissionais… Mas sempre todos aprendizes quando leem um livro pela primeira vez, pelo menos. E quando se ensina a ler os livros, daqui e dali, de hoje e de ontem, está também a ensinar-se a olhar para aqueles mundos metidos dentro de livros e propor aos leitores uma leitura daquele mundo que é o seu, tão diverso e circunstancial como a realidade que nos rodeia.

Porque às pessoas em geral, como aos leitores, o que importa é a vida real. The real thing. Os livros são mais um lugar de trabalho em que se preparam os leitores, cidadãos, para o mundo.

* Cláudia Sousa Pereira é professora auxiliar na Universidade de Évora;  doutorada em literatura portuguesa desde 2000, investigadora no CIDEHUS – UE (Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora). Áreas de interesse: literatura para a infância e juventude; promoção do livro e da leitura; cultura de massas.  Foi vereadora executiva na Câmara Municipal de Évora entre 2009 e 2013, com os pelouros da Educação, Ação Social, Juventude, Centro Histórico, Património e Cultura, responsável pelo Gabinete Évora Cidade Educadora que criou em 2012. É atualmente vereadora sem funções executivas, na oposição.

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