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  • Ciclo de debates “Bibliotecas, Arquivos e Museus: acesso à informação” – Lisboa

Início Braga, 7 de JunhoPorto, 21 de Junho | Lisboa, 18 de outubroLoulé, 25 de Novembro

 

Lisboa, 18 de outubro

 

Participantes:

Maria José de Almeida (BAD – Grupo de Trabalho de Sistemas de Informação em Museus) – moderadora

Tatiana Sanches (Faculdade de Psicologia e Instituto de Educação, Universidade de Lisboa)

Clara Camacho (ICOM – Portugal)

Francisco Barbedo (Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas)

João Miguel Henriques (Arquivo Histórico Municipal de Cascais)

 

Local:

Biblioteca Nacional

 

Debate:

Tatiana Sanches debruçou-se sobre o papel da educação no acesso à informação, salientando a necessidade de equipar os cidadãos com competências que lhes garantam a utilização e fruição dos seus direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos quais se incluem a liberdade de expressão e o acesso à informação. Nos requisitos para a participação e exercício pleno da cidadania contam-se as literacias básicas (ler, escrever e contar) mas também a literacia digital e, no âmbito mais geral, a literacia da informação: saber reconhecer a necessidade de informação, saber aceder / pesquisar; avaliar; utilizar; incorporar a informação e gerar novo conhecimento. Nesse sentido, o papel dos bibliotecários é fundamental e estes profissionais terão que procurar estar apetrechados de competências pedagógicas que contribuam para esta educação cívica, com base no ensino da literacia da informação. Encontrar soluções para o acesso à informação passa pelo reconhecimento da dimensão pessoal e humana no trabalho dos profissionais da informação, e muito concretamente dos bibliotecários: mais do que pensar o sistema a partir da organização e do documento, é preciso centrá-lo nas pessoas e no exercício da cidadania.

 

Esta dimensão fundamental da transformação de informação em conhecimento, como forma de contribuir para uma cidadania mais consciente dos visitantes e utilizadores das instituições de memória, foi desenvolvida também por Clara Camacho, que apresentou uma perspetiva centrada na sua prática e experiência no âmbito dos museus. Partindo do pressuposto de que hoje estão asseguradas aquilo que designou como “as infraestruturas do acesso” (requisitos básicos consignados na Lei que incluem, entre outros, horários de abertura compatíveis com as necessidades das várias categorias de visitantes, períodos de ingresso gratuito ou apoio específico a pessoas com necessidades especiais), destacou três tópicos que podem ajudar à reflexão sobre a melhoria destas condições: o paradigma participativo; a padronização vs diferenciação; o acesso físico e deslocalização. A melhoria das condições de acesso à informação nas instituições de memória só será possível integrando diferentes ângulos de abordagem a estas questões: do lado das políticas (tutelas) são necessárias as condições e o enquadramento; pela parte dos atores (profissionais), a atitude e o profissionalismo são peças chave neste processo; por último, nada disto será consequente sem a colaboração e a parceria dos destinatários (públicos). Terminou fazendo um apelo para que os debates profissionais em curso não percam de vista os destinatários finais do trabalho em prol do património, conhecendo aprofundadamente os seus públicos e trabalhando com a sociedade e já não apenas para a sociedade.

 

Francisco Barbedo trouxe à discussão a importância da integração de conteúdos como aspeto essencial no acesso à informação: interoperabilidade, metadados normalizados e a existência de uma estratégia digital organizacional e supraorganizacional são fatores indispensáveis neste processo. Além da integração, torna-se também necessário trabalhar no relacionamento desses conteúdos, estabelecendo protocolos de troca de informação no âmbito dos conceitos de linked data e enriched data. No entanto, sem uma estratégia de marketing cultural, esse esforço pode ser inconsequente, pelo que é essencial conhecer os públicos, e os respetivos os níveis de infoexclusão, de modo a construir programas de formação que os integrem na dinâmica do acesso à informação. A importância dos projetos participativos e/ou de crowd sourcing é evidente nesta matéria, sendo necessário também refletir sobre a reutilização de conteúdos e custos associados, bem como sobre a tecnologia dos processos associados.

 

A primeira ronda de intervenções foi fechada por João Miguel Henriques que, partindo da sua prática enquanto arquivista no município de Cascais, apresentou uma série de reflexões sobre organização e acesso à informação. Chamou a atenção que o acesso só é possível com um trabalho bem estruturado a montante, investindo na organização e preservação física da documentação e na “domesticação das famigeradas massas documentais acumuladas”. A criação de instrumentos de descrição documental que abranjam toda a documentação preservada (frequentemente atualizados) dão maior autonomia aos utilizadores, cada vez mais informados, conferindo maior transparência ao serviço prestado e libertando os serviços de uma função de mediação que pode até ser castradora. Garantida a organização e descrição, é urgente diversificar a metodologia de comunicação da informação, desenvolvendo novas ferramentas de acesso para públicos específicos, nomeadamente os escolares. A aposta em agregadores de informação eliminará também a existência de múltiplos pontos de acesso que condicionam as pesquisas de utilizadores cada vez mais exigentes e diversificados. Neste sentido, a interoperabilidade entre sistemas, nomeadamente entre arquivos, bibliotecas e museus, é um fator essencial cuja chave pode ser conseguida através da normalização e indexação. O objetivo comum a todas as instituições de memória é organizar a informação contida nos documentos para se potenciar a comunicação. Importa ultrapassar a lógica de mais de um século de corporativismo profissional e de especialização funcional extrema que apostou demasiado nas diferenças e esqueceu o potencial epistemológico de similitude do(s) objeto(s) material(ais). A diferenciação descritiva, baseada em ordens e esquemas de classificação estanques e específicos, deve ser substituída pelo diálogo entre arquivos, bibliotecas e museus, garantindo o acesso à informação pelo público interessado.

 

O debate foi animado entre todos os presentes, aprofundando muitas das questões levantadas pela mesa. Discutiram-se questões relacionadas com a utilização da tecnologia digital no acesso à informação, bem como os custos associados e a possibilidade de contribuição financeira no processo pelos públicos interessados. Todas as intervenções salientaram a importância da colaboração das diferentes instituições de memória na garantia de um acesso integrado à informação. A dinâmica da sociedade contemporânea e o crescimento do acesso digital face ao acesso físico esbatem fronteiras entre instituições, colocam desafios na mediação oferecida pelos profissionais a um público cada vez mais diversificado. Nesta interessante conversa em Lisboa demos mais um passo no caminho da integração e relação de conteúdos, fortalecendo a ideia da agregação de esforços nas diferentes instituições de memória para construir soluções de acesso à informação cada vez mais adaptadas a uma cidadania efetiva, informada e interessada na produção de conhecimento.