Carla Maia de Almeida. Foto de Paulo Sousa Coelho
Carla Maia de Almeida. Foto de Paulo Sousa Coelho

O pretexto era a comemoração do Dia Internacional do Livro Infantil. O mote o livro Irmão Lobo. À boleia de um e de outro, Carla Maia de Almeida – escritora, tradutora e jornalista – falou-nos das inquietações de quem escreve, das histórias que se impõem, da presunção que mata o livro, das fronteiras abertas da literatura infantil e juvenil, e das bibliotecas que protegem. A pairar, o apelo forte: se um livro e uma criança se encontrarem, “não lho tirem das mãos”.

O “Irmão Lobo” não é um livro só para adolescentes. Ultrapassa faixas etárias e nichos de público e tornou-se um livro aclamado pela crítica também por essa abrangência de “leituras”. Planeou uma escrita que abarcasse leitores de idades diferentes ou aconteceu-lhe assim?

Aconteceu-me assim. Fiz vários planos, mapas mentais e cronologias que me ajudassem a tornar visível a estrutura do livro, para que não houvesse pontas soltas. Tratando-se de uma narrativa muito mais longa do que as anteriores e transcorrida a dois tempos, em capítulos alternados (a protagonista, Bolota, aos oito e aos quinze anos), laborei num certo método. Mas isso foi já durante o processo de escrita. De resto, não planeei nada; a história impôs-se, convocando todo um universo poético e um conjunto de referências que eu sabia, desde o início, não serem do domínio da literatura infantil tout court. Tive a sorte – porque para tudo é preciso um pouco de sorte – de ser compreendida por leitores atentos e generosos, que contribuíram para que o Irmão Lobo circulasse fora dessas baias. Não é um livro para crianças, mas se um miúdo de dez ou onze anos o quiser ler até ao fim, como sei que aconteceu, ele (ou ela) lá saberá porquê. Não lho tirem das mãos.

A morte e a ruptura familiar são temas basilares deste seu livro. Porquê esta escolha?   

Nunca escolho os temas; os temas é que me escolhem, passe o lugar comum. A ruptura familiar, conheço-a bem; e a morte está sempre a rondar quem tem o desejo absurdo de tudo querer compreender. A compreensão quase como uma função vital, imperiosa. Eu escrevo sobre o que vivo, seja diretamente ou por empatia, por repercussão, por ressonância interior. Às vezes leio uma notícia que depois se transforma num embrião de história: por exemplo, o caso daquele bebé com lábio leporino que foi abandonado no lixo, há uns anos. Tocou-me profundamente. Talvez vá à procura dele, um dia, e lhe escreva uma história. São coisas que não posso escolher.

Que erros é que um escritor nunca pode cometer quando escreve para um público infanto-juvenil?

Pode cometer todos os erros, como toda a gente. Mas há o “erro positivo”, que nos leva a evoluir, e há o “erro negativo”, quando não se aprende nada e se acredita que “o inferno são os outros”. A meu ver, o pior erro é a presunção, a total falta de modéstia, o discurso autoencomiástico. Pessoas que se fazem anunciar como portadoras do livro ou do texto que vai revolucionar a literatura infantil e que não hesitam em se adjetivar pomposamente – ou então é a editora que o faz por elas. Isso é deveras irritante, é confrangedor. Felizmente, também é passageiro.

Como vê o papel das bibliotecas na divulgação da literatura junto de crianças e jovens? Qual a sua experiência?

A minha experiência nas bibliotecas é relativamente tardia. Não fazem parte das minhas memórias de criança, só de juventude, especialmente dos anos da faculdade. Sempre gostei de estudar em bibliotecas e transportei esse hábito para o meu trabalho jornalístico: tanto a Biblioteca Nacional como as bibliotecas do Instituto Franco-Português e da Gulbenkian são indissociáveis dos anos 80 e 90. São lugares protetores, para mim. Associo-as a uma noção universal de segurança e de conforto, sustentada em razões afectivas, cognitivas e civilizacionais. Julgo que as crianças e os jovens compreendem e sentem isso. Não sei se sabem que vivemos em estado de excepção e que tudo o que conquistámos está agora sob ameaça…

 Cláudia Henriques

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